Malka Julieta na Backstage Digital | Ed. 37

A cantora, compositora e produtora Malka Julieta, que estampa a nova capa digital da Energy Mag, apresenta seu primeiro álbum “Chão“, um trabalho multifacetado que mistura pop, funk, house, rap, MPB, piseiro, drill e jazz. O disco reúne 15 faixas e participações especiais e figuras importantes da cena independente brasileira. Com produção refinada e letras que atravessam vivências pessoais, o trabalho é um manifesto de amor, afeto, resistência e inovação musical.

Em conversa, conhecemos a artista multifacetada: produtora, compositora, intérprete e educadora. Ela leva seu conhecimento para comunidades periféricas através de oficinas musicais, mas faz mais do que ensinar: ela aprende, troca e transforma junto.

Com uma trajetória marcada pela colaboração com nomes como Linn da Quebrada, Tulipa Ruiz e Potyguara Bardo, ela é uma prova de como a arte pode ser uma ferramenta de emancipação, pertencimento e mudança real, especialmente para quem vem das margens. Nesta entrevista, ela reflete sobre os desafios e delícias de conciliar suas múltiplas funções, o papel da música nas periferias e o impacto de sua voz na comunidade LGBTQIAP+.

Confira a entrevista completa:

Você que é educadora e realiza oficinas de produção musical em comunidades periféricas, quais aprendizados esse trabalho te proporciona?

Ensinar é uma das grandes paixões da minha vida e eu tenho um combinado comigo mesma de nunca parar de fazê-lo independente do que aconteça. Ao longo dos anos entendi que esse é um lugar que existe uma troca imensa, sejam nas provocações dos alunos, até mesmo nas visões inovadoras de como abordar o fazer da música. Dessa forma, entendo que eles também sempre estão me atualizando, mostrando o que tem de novo na música e na forma de ver ela.

Na sua visão, o que é mais importante quando a música chega às periferias? O que há de mais significativo na união entre arte, território e vivência nesses espaços?

Olha, no meu caso a música teve um papel de libertação e emancipação. Quando a produção musical chegou na minha vida, eu morava em Caieiras e trabalhava em Santo André, pegava sete horas de condução por dia e nessa época eu até aprendi a dormir em pé. Alguns anos depois, pela produção musical eu pude conhecer o Brasil e outros países. Isso tudo abriu minha visão do que era o mundo e de que pessoas fora do meu convívio poderiam também entender a mensagem que eu estava passando, e acho que não só isso, mas também pude trazer esse conhecimento de volta. Muitas outras pessoas que estudaram comigo tiveram oportunidade de conhecer vivências fora de suas bolhas. Passando pelo contexto de ouvintes, eu entendo que a música pode trazer um contexto de pertencimento como poucas outras coisas na vida trazem. Você ouvir algo e se reconhecer naquilo não tem preço, a sensação de solidão que muitas vezes nos toca se dissipa com o poder de uma música e faz com que a gente saia da sensação de estagnação. Ainda considero a arte como uma das poucas formas que corpos que estão na periferia podem trazer mudanças reais para suas realidades.

Como você concilia a vida de produtora, compositora e intérprete? Alguma dessas funções se sobressai em relação as outras, ou elas se mesclam e se complementam?

Entendo que uma coisa não anula a outra, elas se complementam na realidade. Acho que meu trabalho de produtora foi o mais expressivo pelo volume dele, porém muitas vezes o trabalho de produção e composição se cruzam. Entendo também que o tempo é fluido. Tem momentos que sou mais uma coisa ou outra. Já a parte de ser intérprete é algo novo pra mim, é um desafio que eu resolvi puxar pra tocar nos próximos anos. Não tenho a intenção que seja minha faceta principal, mesmo porque amo produzir músicas, compor trilhas, ensinar. Eu acho que o segredo é que tentei fazer tudo isso com muita leveza desde o princípio sem me cobrar muito de ser uma coisa ou outra.

Dentre as parcerias com artistas como Linn da Quebrada, Tulipa Ruiz, Potyguara Bardo e vários outros, como você escolhe com quem colaborar? Como é na prática?

Eu nunca tive meu estúdio aberto para produções gerais, o encontro pra isso sempre se deu de forma espontânea entre as partes. Meu estúdio não funciona da forma comercial tradicional, os encontros sempre se deram depois de surgir uma certa amizade e vontade de produzir juntes, sempre em um espírito de admiração e colaboração mútua. Nesse sentido sou bem passiva, nunca fui a produtora que fica mandando mensagem pra artista dizendo “quero produzir uma música com você”. Quando conheço alguém que eu gosto muito do som, eu procuro deixar a coisa acontecer naturalmente. Se for pra acontecer uma colaboração, vai acontecer. Sempre fui muito feliz em poder trabalhar com pessoas que eu acredito e admiro.

Suas manifestações na música sobre sua realidade é uma forma de impactar as pessoas e ajudar quem é da comunidade LGBTQIAP+ de qual maneira? Qual seu maior propósito fazendo parte disso? Faz link a sua mentalidade como educadora?

Eu acredito que isso conversa com o que eu disse na resposta da música na periferia. Entendo o impacto que a música pode causar nas pessoas, porque eu sei o impacto que ela causou em mim. Porém não é algo que eu pense quando estou compondo, quando escrevo penso em algo que preciso falar por mim, e naturalmente isso vai ressoar com outras pessoas que tem vivências parecidas. Tem músicas como Sururu das Meninas pt1 que veio até mesmo antes desse disco atual que a gente tinha consciência por exemplo que ainda tinha pouco funk voltado para o público lésbico, e que ao criar aquilo estaríamos abrindo um leque de possibilidades. Depois dele surgiu muita música no tema e isso deixa a gente muito feliz. Mas nem sempre que escrevo tenho na cabeça esse tipo de coisa, essas são paradas que acontecem de forma natural. Acho que o meu maior propósito seria mostrar pras pessoas que da pra fazer música bem feita, ser bem sucedida, e ser feliz com seu trabalho e ainda assim ter uma vida bem normal. Penso que meu trabalho e personalidade focam em mostrar um lado desse meio pra desmistificar essa ideia do artista em lugar impossível e intocável. Quanto mais carne e osso nós formos, na verdade, pra mim melhor. Eu foco muito nessa ideia de termos o pé no chão.

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