Nesta sexta-feira (11 de julho), chega a todos os aplicativos de música o novo single da TESS: “V.S.F.”, uma faixa explosiva que marca não só o início de um novo ciclo criativo, mas também um grito de basta. Estampando a nova capa da Backstage Mag, o artista revela detalhes sobre o novo trabalho.
Com produção de Edu K e lançamento via Monstro Discos, a música foi gravada no Estúdio Gorila (Porto Alegre/RS), com Daniel Tessler à frente da composição, Edo Portugal na operação de áudio e uma dose potente de indignação transformada em arte.
A sonoridade é crua, intensa e propositalmente desafiadora. O ponto de partida para a composição foi um momento de frustração que se transformou em catarse criativa.
Mais do que apenas um desabafo, “V.S.F.” carrega uma mensagem clara de libertação. “Ninguém é obrigado a carregar peso morto pela vida, e ficar se anulando em nome de pessoas sem caráter, em relações tóxicas, ambientes ruins. Um ‘v.s.f.’ bem dito é libertador, e faz a embarcação voltar a navegar.”
Com mais de uma década de trajetória, a TESS surgiu no underground gaúcho em 2012, capitaneada por Daniel Tessler após o fim da banda Os Efervescentes. Desde então, o projeto se firmou como um nome relevante do rock alternativo, misturando influências do cenário Mod dos anos 60 com referências contemporâneas, sempre com o objetivo de impactar positivamente o maior número de pessoas através da música.
“V.S.F.” é um grito de libertação contra relações tóxicas e a hipocrisia no meio artístico. Como foi transformar essa indignação em arte, e de forma tão direta?
Acho que transformar qualquer situação em música é inevitável pra quem vive diretamente esse processo criativo e profissional musical. Mas indo um pouco mais fundo, acho que não existe transparência em nenhuma relação dentro do mercado artístico, não só o musical. Falar sobre isso significa pisar no calo de muita gente que ganha muito dinheiro simplesmente por manter as coisas como estão.
O mercado musical é milionário pra quem paga milhões pra estar ali. Mexer nessa panela é difícil. E não é sobre qualidade, ou sobre verdade artística, embora tenha muita porcaria rodando no mainstream só por ter investimento. Tem muita gente boa que tem essa bala na agulha pra estar ali. É do jogo. Mas nós, a maioria, não temos milhões pra pagar e levar adiante as obras que criamos. É necessário um processo longo e muitas vezes doloroso, que envolve passar constrangimentos, pagar jabás, levar golpes de produtores e empresários, e ver que não é bem assim. É sujo mesmo, tem tapete puxado, dedo no olho, água no chopp, etc. E essa panelinha é cada vez mais restrita, onde todos se relincham, babam ovo por conveniência e não fazem a arte que querem ou poderiam fazer. Nós todos estamos encurralados nessa situação.
Atualmente já existe inclusive o plano de tirar os próprios artistas do processo de criação artística, e deixar tudo para a IA fazer. Artista dá trabalho, custa caro. As grandes gravadoras/empresas desse mercado não querem ter todo esse custo e trabalho pra lidar com “gente”. É só fazer o prompt, jogar na rede e tá lá, mais de meio milhão de ouvintes no streaming mais popular, e segue crescendo. O público em geral nem sabe o que tá consumindo. E depois que isso vira notícia, ao invés de abrir os olhos do consumidor de arte e cultura, acaba trazendo mais engajamento e vendas pra “artista de IA” do que pro artista que de fato faz música, vive, sente, sofre e comemora a vida.
O mercado não se reciclou nos últimos 10 anos. As maiores novidades, com maiores investimentos e vendas são retornos de bandas que terminaram e novos artistas que sequer existem de verdade. Os outros todos, pequenos e médios, ou entram no jogo, ou tem “costas quentes”, ou ficam pedalando subindo a ladeira interminável, até “escolherem” mudar de carreira.
Enfim, falar sobre isso acaba sendo controverso, muita gente acha que é reclamação, papo de chato, ou qualquer coisa assim, mas é só uma constatação factual. Eu resolvi mandar tudo isso se foder. Admiro demais quem faz de fato, e sigo nessa filosofia desde sempre. Já saí de trabalhos corruptos, já deixei de tocar em lugares assim e lido com gente-merda assim faz tempo. Sei bem como funciona e expresso tudo isso nas músicas (que eu mesmo compus e dou meus pulos pra fazer acontecer. Rá!)

A faixa traz uma sonoridade crua e desafiadora, que foge do que é “mastigado” e confortável. Que impacto você espera causar com essa escolha estética?
O impacto que eu gostaria é de reflexão. Chocar e desafiar. Normalmente as pessoas tem medo de quebrar essas correntes, e é natural. Eu mesmo também tenho. Mas hoje, com família, filhos, existem outros motivos pra escancarar tudo. A arte não pode perder pra algoritmos e corrupções. O mercado todo não pode ser refém de pessoas que deveriam estar até na cadeia. Eu acredito muito na arte feita no Brasil. É sabido que a gente é um dos maiores usuários de redes sociais e streams do mundo.
É preciso saber o que estamos consumindo e o caminho que esses produtos/obras/peças artísticas percorrem até chegar em nós. E, nesse momento, é uma realidade constrangedora. Provavelmente aqueles que acham bom tem certo interesse em manter tudo como está. Pensa na comida: imagina que tudo é fast-food, e tu nem sabe se aquela borracha sabor carne tem alguma coisa orgânica fora merda. Entende? Faz mal. Mata. Deixa todo mundo doente. Mesmo assim milhões de pessoas comem aos montes diariamente e não sabem como aquilo é feito e chegou até ali. No mercado musical, artístico, cultural, estamos mais ou menos assim.
Você menciona que a ideia para a música surgiu após uma situação frustrante com alguém do mercado. Esse episódio foi um ponto de virada criativo para o novo disco?
Pode-se dizer que sim. Levei um choque pois não esperava escutar o que escutei, ainda mais da pessoa que disse. Envolvia jabá, envolvia esquema. Não tenho espaço pra isso. Depois desse episódio, presenciei e fui afetado diretamente por outros episódios semelhantes que me revoltaram ainda mais.
A forma como eu penso música e arte não mudou, mas sim ficou ainda mais forte. Fiz questão de pular fora e não ter envolvimento algum com situações e pessoas lixo. Falar sobre isso é necessário nesse momento. É preciso procurar a liberdade e proteger o pouco espaço que ainda há para as nossas criações, ter transparência com os direitos dos artistas, compositores, músicos de apoio, estúdios, etc. Toda a classe artística. Isso é normalizado, mas é extremamente prejudicial e precisa ter um ponto de virada geral.

A TESS tem uma trajetória marcada pela constante transformação. Como esse novo ciclo dialoga com o que você já fez, e com o que você quer provocar no público daqui pra frente?
Para os desavisados, esse novo ciclo parece ser o que se distancia mais daquilo que vinha fazendo. Não é tão “garageiro”, de terninho e franjinha Mod. Não leva a bandeira Mod na frente, como os outros lançamentos levaram ou sugeriram. Mas esse disco novo é exatamente o que os Modernists buscavam: quebrar as correntes da época deles, experimentando novas linguagens, mais “modernas”, e tendo a música negra da Motown e Stax e o jazz como fonte. Então, de certa forma, estou mais mergulhado no movimento Mod do que antes.
O trabalho da Tess sempre arriscou. Arrisquei tudo em todos os discos. Especialmente no “Atlas e o Pêndulo na Verdade Sobre o Não Dito” (2017), que resolvi fazer um tipo de rock sinfônico, com quarteto de cordas, naipe de metais e madeiras, cravo, etc. É uma peça de teatro que começa com uma música instrumental de mais de 10 minutos. É um desafio pro ouvinte de streaming, que não tem tempo pra dizer “eu te amo”. É o desafio do encontro consigo mesmo.
Agora estou num momento com programações, elementos eletrônicos, linguagem industrial e moderna. Postura punk em vários momentos, onde a fala escancara dores e revoltas. Acredito que o trabalho da Tess, desde as músicas mais açucaradas até as mais ácidas e dedo na cara, sempre são desafios. Falar de amor conecta, dói, faz lembrar, sorrir e chorar. Falar de raiva também. Esse novo ciclo dialoga diretamente pois é como os barbantes que fui amarrando nas árvores enquanto fui entrando no meio da floresta.
É um desafio, tem que saber pra onde voltar se acabar se perdendo, rever os valores, saber que pode confiar em si, não se corromper, etc. É preciso falar alto pra ser escutado, ainda mais com tanto “predador mercadológico” em volta. Ao mesmo tempo o desafio é visitar algo novo, vencer o medo, não aceitar o que é corrompido. É desconfortável, é preciso sair do lugar. Quem se acomoda simplesmente desistiu de se movimentar. Como todos os outros trabalhos que já lancei, mesmo quando falei de amor, esse é um convite pra dançar, pra gritar, e até bater se for necessário.
+ There are no comments
Add yours